Primeira defesa de doutorado da nucleadora UVA apresenta programa educativo para prevenção de complicações do diabetes

O diabetes mellitus é hoje um dos maiores desafios da saúde pública mundial. De acordo com estudo publicado em 2024 no The Lancet, mais de 828 milhões de adultos vivem atualmente com diabetes no planeta, um crescimento alarmante que revela a dimensão da epidemia global. No Brasil, a situação também exige atenção: segundo o Diabetes Atlas da Federação Internacional de Diabetes (IDF), 16,6 milhões de brasileiros entre 20 e 79 anos convivem com a doença, enfrentando não apenas a rotina de controle diário, mas também o risco de complicações graves que podem comprometer a qualidade de vida.

Foi diante desse cenário que a enfermeira e pesquisadora Danielle Varela decidiu transformar sua experiência profissional em ciência. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família da Rede Nordeste de Formação em Saúde da Família (PPGSF/RENASF), pela nucleadora Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Danielle defendeu no dia 04 de agosto de 2025 a primeira tese de doutorado da instituição no âmbito do PPGSF/RENASF. Mais do que uma conquista acadêmica, a defesa apresentou um programa educativo para o autocuidado em diabetes, com foco na prevenção das complicações nos pés, uma das consequências mais graves e incapacitantes da doença.

A escolha do tema não foi aleatória. Danielle atua há alguns anos na Estratégia Saúde da Família e na Enfermagem Dermatológica, onde acompanha de perto a dor e as limitações impostas por lesões graves em membros inferiores de pacientes diabéticos. Observando a rotina das Unidades Básicas de Saúde, a pesquisadora percebeu que grande parte dos pacientes só buscava ajuda quando a situação já era crítica, revelando a fragilidade das ações preventivas.

“Muitos casos poderiam ter sido evitados com ações preventivas simples. Essa realidade me mostrou o tamanho da lacuna nas práticas educativas e reforçou a necessidade de criar algo diferente, que desse autonomia ao paciente”, explicou.

Foi assim que surgiu a ideia de estruturar um programa participativo, baseado no autocuidado apoiado e na Educação Popular em Saúde, inspirada na pedagogia de Paulo Freire.



A construção coletiva do programa

A primeira etapa foi ouvir. A equipe realizou um diagnóstico situacional para compreender o perfil socioeconômico e clínico dos participantes e identificar suas principais necessidades de aprendizagem. A partir desse levantamento, nasceram encontros coletivos, rodas de conversa, oficinas e atendimentos individuais, todos organizados em uma metodologia que unia ciência, prática clínica e o saber popular.

“A abordagem participativa foi conduzida com base na Educação Popular em Saúde e na metodologia freireana, incorporando elementos como problematização, reflexão crítica e construção coletiva do conhecimento através dos círculos de cultura. Os planos de cuidado foram elaborados de forma conjunta entre usuários e profissionais, seguindo os princípios do autocuidado apoiado, garantindo que as soluções propostas estivessem alinhadas à realidade local e fortalecessem o protagonismo e a autonomia no autocuidado. Durante todas as etapas do programa houve diálogo constante entre pesquisadores, profissionais de saúde e participantes, que contribuíram com suas experiências, saberes e necessidades”, detalhou Danielle.

Resultados que emocionam

Os impactos não demoraram a aparecer. Pacientes começaram a relatar mudanças concretas em seus hábitos: maior atenção à alimentação, prática regular de atividades físicas, uso correto da medicação e cuidados específicos com os pés, como hidratação e inspeções diárias.

Mas os resultados mais marcantes talvez não estejam nos indicadores clínicos. Muitos participantes relataram fortalecimento do vínculo com a equipe de saúde, aumento da confiança no tratamento e, sobretudo, um sentimento renovado de corresponsabilidade pelo próprio cuidado. O programa fomentou autonomia, pertencimento e continuidade do cuidado na maior parte dos participantes.

Potencial para o SUS

Além de eficaz, a proposta tem outra característica valiosa: é de baixo custo e pode ser facilmente adaptada a diferentes realidades da Atenção Primária. Para Danielle, trata-se de um modelo que pode, e deve, ser replicado em outras unidades de saúde.

“Se o SUS investir em estratégias como essa, vamos reduzir internações, evitar amputações e proporcionar qualidade de vida às pessoas. Prevenção é muito mais que economia para o sistema de saúde: é dignidade para quem convive com a doença”, defendeu.

A pesquisa ecoa como um chamado urgente para gestores e profissionais de saúde. Estima-se que, no Brasil, a cada ano, milhares de pessoas com diabetes percam parte dos membros inferiores por falta de acompanhamento preventivo adequado. Cada amputação representa não apenas um custo elevado para o sistema, mas, sobretudo, uma perda irreparável de autonomia e qualidade de vida.

“A mensagem que fica é clara: a prevenção continua sendo a estratégia mais custo-efetiva. Investir em educação em saúde é salvar vidas, reduzir sofrimento e fortalecer o SUS. Meu compromisso é com a vida. Cada paciente que se previne é uma história que não termina em dor, mas em esperança”, ressaltou Danielle.

O olhar da orientadora

Para a professora Maristela Osawa, orientadora da pesquisa e coordenadora do PPGSF/RENASF na UVA, a tese representa um avanço científico e institucional de grande relevância. “A pesquisa desenvolvida por Danielle Varela traz uma contribuição científica relevante e oportuna para o campo da Saúde Coletiva e da Saúde da Família, ao abordar de forma integrada a prevenção das complicações do diabetes e a promoção do autocuidado apoiado, por meio de um programa pedagógico promissor. Ao propor soluções aplicáveis à realidade da Atenção Primária, especialmente voltadas à educação em saúde, ao monitoramento contínuo e à coordenação do cuidado, o estudo reafirma o papel estratégico da Saúde da Família como eixo estruturante no enfrentamento das condições crônicas.”

Para a orientadora, o momento também é histórico para a universidade:

“Orientar a primeira defesa de doutorado da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) no PPGSF/RENASF representa não apenas um marco pessoal e acadêmico, mas também um feito institucional de grande significado. Este momento simboliza a consolidação da presença da UVA no cenário nacional da formação e produção de conhecimento em Saúde Coletiva/Saúde da Família, abrindo caminhos para novas pesquisas, parcerias e inovações no cuidado.”

Ela ressalta ainda que tal conquista evidencia a força da cooperação interinstitucional e da interiorização da pós-graduação stricto sensu. “O PPGSF/RENASF nos articula como coletivo pulsante. Esse legado fortalece a capacidade científica, com impacto direto na qualificação dos trabalhadores da Atenção Primária do SUS e na melhoria da saúde da população.”